Lugares são pessoas, pessoas são lugares

Vou contar um segredo: eu me apresento abraçando. Isso não é invasão, é um convite, sou caloroso e receptivo, me espalho sem invadir, faço mil perguntas pra me achar em quem chega. Em minhas viagens conheci gente de um dia só, gente daqui e de lá, gente linda, gente que eu não quis me despedir, e eu sou um tantão feliz de perceber nessas pessoas algum truque de magia pra copiar, sou um mosaico disso, do que levo a cada doravante. Gravo frases, observo fotos, descrevo sorrisos.

Esse é o senhor Gary, ele é um velho Gepeto que ressuscita bicicletas adoecidas, tem poucos vinténs e gosta de tocar sua flautinha vermelha. Invadi seu pronto-socorro de magrelas atraido por seu canto, mal trocamos palavras, foi mais que isso, quando parei na vitrine ele me deu um sorriso dizendo: “entra”. Isso foi em Hilo – Big Island – Hawaii

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Todas as pessoas que encontro em viagens possuem uma dose alta de generosidade em comum, possuem um pote com suas melhores doçuras pra dividir. Sempre fui uma pessoa que apesar de ter inúmeros grupos de amizade, no fundo sempre se sentiu melhor sozinha, na verdade prefiro dizer que gosto de estar mais em primeira pessoa do singular pra viver melhor meus tempos verbais. Gosto de trocar a palavra sozinho por livre. Acho que não a toa, nas caixas de bombom, os últimos bombons a serem escolhidos geralmente são o “Hawaii” e o “Caribe”. E eles parecem não se importar, eles sempre estão lá em toda santa caixa, coloridos em suas embalagens, radiantes e doces, abertos ao acaso e até a rejeição. Geralmente quem  os escolhe  são pessoas de gosto mais excêntrico, pessoas abertas ao diferente, gosto dessas que geralmente olham pro bombom supostamente rejeitado e se deliciam com o novo.

Essa é a Claire e eu escondi sua identidade de propósito, porque o que mais me chamou atenção nela, além da sua beleza em curtos cabelos e olhos cheios de aurora, foi a sua intimidade com o chão e o seu sorriso que parecia com o frescor de uma fruta no auge de sua cor, então quero que você a imagine sem que eu a revele. Claire estava no mesmo quarto que eu [também no Hawaii] e ela tinha um estojo cheio de retalhos e papéis de presente. Nas horas vagas gostava de fazer origamis com esses papéis. Claire me fez pensar sobre como o Alasca deve ser especial, e me trouxe imagens sobre o futuro: eu num iglu cheio de gente legal tomando chocolate quente. O Alasca que me aguarde.

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É interessante a duração do encontro em uma viagem, eu sempre fui um pouco covarde pras despedidas, e nas viagens eu aprendi um pouco sobre o valor do momento, sobre as portas que não se fecham depois do adeus não dito. Eu me lembro como se fosse agora de cada um desses personagens desse meu filme de aventura, em que eu preciso de sorrisos cativantes, em que eu não tenho o poder de evitar a hora do embora, em que tudo dura minutos, horas e mesmo assim o baile nunca cessa na lembrança. Aprendi que vivemos várias encarnações dentro de uma vida, troquei a palavra dia a dia por vida a vida.

Essa é a Chynise, ela é nativa, não tem Facebook e a minha primeira visão dela foi em uma praia cheia de ilhotas em Big island com aulas de creche ao ar livre, criancinhas havaianas e professoras do mundo “aloha “em pleno dia letivo. Ela pulava com segurança no mar, tinha propriedade, parecia fazer parte daquele espaço, dava pra saber. Com meu inglês macarrônico, perguntei três vezes o significado de suas tatuagens tribais: na terceira vez que ela respondeu, eu fingi que entendi.

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Por fim quero falar da Katina, ela foi minha taxista, gosto de fidelizar, de repetir o encontro, Katina me cobrava mais barato do que o Shuttle pra me levar até o aeroporto. Acho gostoso quando tentam se aproximar dizendo palavras no meu idioma: me deu “oi”, “tchau”, “obrigado”, e o mais interessante é que o carro dela só tinha duas vagas na parte de trás. O banco ao lado do motorista era o seu escritório cheio de papeladas, papéis que nunca acabavam, bagunças iguaiszinhas as do meu quarto.

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E é viajando que se aprende que pessoas são lugares e lugares são pessoas.

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