Cinema Europeu | Introdução

É muito difícil introduzir algo com um rótulo de “Cinema Europeu”, pois são muitos países, filmes, movimentos e autores diferentes. Mas pode-se jogar iscas. Como diz o personagem de George Cloney em Amor sem Escalas: “Sou como minha mãe. Eu crio estereótipos. É mais rápido”.

Há várias maneiras de abordar os filmes produzidos na Europa. Através da história geral do cinema, da carreira de seus realizadores, do contexto histórico e político que muitas vezes os filmes refletem, ou através de dicotomias. A última opção parece mais instigante para uma introdução, apesar de mais limitada e ligeira. Se retrocedermos até a primeira disputa pela ideia do que viria a ser o cinema como conhecemos, Thomas Edison e os Irmãos Lumière já ofereciam uma visão de dois pólos da produção cinematográfica, que pode se adaptar a várias épocas e até a atualidade.

Enquanto os Lumière (ao lado) se baseavam na evidência da imagem, pois seus aperfeiçoamentos do cinetoscópio de Edison tornaram possível o registro mais claro e fluido, além da projeção para exibição pública ao invés de individual, os filmes produzidos nos Estados Unidos seguiam o formato de reproduzir atrações, como lutas de boxe e danças. Os filmes dos Lumière evidenciavam elementos como o ritmo e a composição (como nos célebres A Saída da Fábrica Lumière em Lyon e A chegada do trem na estação), além de serem crônicas da vida doméstica e social, e mais a frente, reportagens dos vários cantos do mundo para onde seus cinegrafistas eram destacados. Um pouco do que irá encarnar o cinema europeu em toda sua trajetória. Enquanto nos Estados Unidos, a imagem em movimento ainda é concebida como atração, tendo seu aspecto cinético destacado em relação ao reflexivo. Que o diga a geração de Lucas e Spielberg.

Os Estados Unidos forjavam seus gêneros (como o Western) e construíam uma alternativa industrial entre os azevedos ensolarados da Califórnia, enquanto artistas europeus de outras áreas se interessavam pelo cinema, sugerido por Ricciotto Canudo como sétima arte. O resultado disso é que o cinema europeu desta época se caracterizou pela invenção e incorporação de inovações da literatura, pintura e fotografia (como no expressionismo alemão e surrealismo francês), enquanto o americano se caracterizou pela formalização da linguagem cinematográfica, que deixou de ser teatro filmado para adquirir sua própria linguagem expressiva, atingindo o auge nos longas-metragens de D. W. Griffith. Com o cinema sonoro na década de 30, o cinema da Europa perdeu o prestígio que obtinha em todo o mundo, enquanto nos Estados Unidos uma indústria bem estruturada mantinha a produção e distribuição de filmes, e incorporava alguns talentos europeus como F.W.Murnau e Billy Wilder.

O neo-realismo italiano, na década de 40, coloca novamente o cinema europeu no mapa, e sua estética é copiada no mundo todo na resistência a hegemonia de Hollywood, como no Cinema Novo brasileiro. Roberto Rossellini lança as sementes de dois outros movimentos que trarão a tona o cinema do velho mundo nos anos 60. Prefigura o despojamento do Acossado de Godard, na Nouvelle Vague, e a desdramatização em L’Aventura de Antonioni, que com Fellini e Visconti farão o cinema italiano passar por uma fase dourada de criatividade e reconhecimento. Na França destacam-se as parcerias de Alain Resnais com os escritores do Nouveau Roman nos emblemáticos Hiroshima Moun Amour e O Ano Passado em Marienbad, e os cinéfilos e críticos Godard, Truffaut e Rohmer, da Cahiers du Cinéma, também embaralhando a gramática cinematográfica (principalmente Godard) em excelentes filmes. A influência desses movimentos europeus será sentida na geração de 70, saídos das faculdades de cinema, e que tentará trazer algo dessa inquietação estética a conservadora indústria cinematográfica americana. Coppola, Scorsese, Bogdanovich e Friedkin farão filmes que vêem seu país com um olhar estrangeiro, assim como muitos diretores europeus farão seus filmes americanos (Antonioni em Zabriskie Point, por exemplo), e tentarão equacionar o fascínio e a repulsa que estes dois pólos do cinema apresentam.

Mas muitos realizadores não se encaixam neste esquema, como nos filmes dos geniais Jacques Tati (acima), Ingmar Bergman e Andrei Tarkovski, que são expressões genuínas de suas vivências e concepções de mundo, e não francas desobediências às convenções do cinema comercial, como em Godard ou Antonioni. E esta é outra característica importante do cinema europeu: muitas vezes nos identificamos com a visão de mundo de um realizador, que passa a ser porta-voz de nossas ideias mais profundas. O cinema americano não tem essa vocação, e se destaca mais pelas extraordinárias fabulações. O discurso visual também tem importância no cinema europeu, até mais que o argumento. Por isso no cinema americano são destacados os roteiristas, enquanto no europeu os fotógrafos adquiriram status de co-autores, como na parcerias de Bergman e Sven Nykvist (abaixo), Godard e Raoul Coutard, Resnais e Sacha Vierny, e ainda Antonioni e Carlo Di Palma.

Uma coluna sobre cinema europeu será o espaço de muitos personagens, às vezes repetidos (já devem ter notado algumas obsessões), e de muitas ideias do que é e pode ser o Cinema. A Europa também é pródiga em teóricos como Christian Metz e Gilles Deleuze, assim como de críticos que, além de divulgadores e intérpretes, se tornaram verdadeiros gurus, como André Bazin. As análises desses autores são parte integrante do conhecimento cinematográfico, tanto quanto os filmes, e auxiliam na experiência mais importante do espectador, para além de qualquer argumento ou discussão, que é vivenciar o que ocorre na tela da sua maneira, racional ou privilegiando a emoção. E para essas duas perspectivas, ou para ambas simultaneamente, o cinema europeu está cheio de oportunidades.

Sobre o autor:

Douglas König é cinéfilo, divulgador e mediador de mostras de cinema. Conhecedor e estudioso da sétima arte, seu gosto varia entre o melhor da obra de Antonioni até o pior de George Lucas. Este é o primeiro de uma série de artigos que ele escreverá sobre o cinema europeu.