Sem Fôlego

Há quem diga que não importa quanto os tempos mudem, nossos dilemas continuam essencialmente os mesmos. Sem Fôlego acompanha duas jornadas separadas por cinco décadas, que compartilham a mesma busca, a procura por seu lugar no mundo.

Em 1927, Rose (Millicent Simmonds, adorável), coleciona notícias da mãe famosa que não vê há tempos. Solitária e insatisfeita com as regras do pai, ela foge para reencontrar a mãe, tarefa complicada por sua condição. A menina é surda desde que nasceu. Já em 1977, é Ben (Oakes Fegley, Meu Amigo, O Dragão) quem se sente solitário após a morte da mãe. Ao encontrar o que acredita ser uma pista sobre a identidade do pai que nunca conheceu, ele também foge da casa dos tios.

Rose e Ben vão para a mesma cidade, passam por dificuldades e lugares semelhantes, incluindo o Museu de História Natural (aquele mesmo em que o Ben Stiller passou algumas noites). Eventualmente, é claro, estas jornadas já unidas por temática e rimas visuais se encontrarão em um terceiro ato que fecha todas as pontas, mas não consegue escapar da longa explanação para esclarecer todos os detalhes, e de ignorar alguns pontos convenientes (onde estão os tios de Ben?). O que vai de encontro à criatividade das escolhas narrativas dos dois primeiros atos. É nessa criatividade que residem o maior acerto e charme do longa.

O diretor Todd Haynes usa técnicas cinematográficas distintas para marcar cada época. 1927, assim como os filmes da época, é em preto e branco e mudo, nos aproximando ainda mais do universo silencioso de protagonista. Inclusive nos momentos em que os "falantes" excluem Rose da conversa, deixando o expectador tão perdido quanto ela. Ao invés de diálogos, a trilha sonora marca ações, gestos e, claro, emoções, reforçando o tom de cada passagem.

Em 1977 as cores são saturadas, e com um tom amarelado, como muitas das fotografias da época que encontramos hoje. Neste período de tempo o filme já tem som, e a música acompanha a época, com destaque para Space Oddity de David Bowie que conversa com a jornada de ambos os protagonistas.

Esta bem aplicada distinção dos mundos entre PB-mudo e colorido falado, emula a diferenciação de narrativas existente na obra original. No livro homônimo de Brian Selznick, que também é o roteirista do filme, a história de Ben é contada em texto, enquanto a de Rose em ilustrações do próprio autor.

Além das carismáticas crianças que carregam muito bem suas respectivas tramas, o elenco conta com o ator mirim Jaden Michael, Cory Michael Smith (o Ed. Nigma de Gotham) e Julianne Moore. Michelle Williams faz uma participação breve, porém importante.

Protagonizado por crianças, com uma buscas e um mistério a ser solucionado, é difícil evitar comparações com A Invenção de Hugo Cabret, outra obra do autor que também foi adaptada para as telas recentemente. Entretanto, apesar de compartilhar temas e estilo (este último majoritariamente na versão escrita), Sem Fôlego, tem protagonistas bem construídos e com personalidades distintas. Além de discutir temas próprios, o principal deles, um mundo despreparado para incluir pessoas com deficiência auditiva.

Sem Fôlego, é uma adaptação criativa, charmosa e doce, que acerta ao transpor o clima próprio do livro para a tela grande. O título nacional, pode não transmitir bem os temas, ou mesmo qual o tom da produção, especialmente para aqueles que desconhecem o trabalho de Selznick. Mas esta é uma falha herdada da versão literária, e em nada atrapalha quem realmente estiver disposto a embarcar nestas jornadas encantadoras.

Sem Fôlego (Wonderstruck)
2017 - EUA - 117min
Drama

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