Se você for explorar a história das relações geopolíticas entre os países ao redor do mundo, verá que algumas motivações que levaram ao surgimento de disputas entre nações através dos séculos são tão bizarras quanto a imaginação humana pode permitir. Um bom exemplo disso pode ser rastreado na década de 1960, quando o Brasil e a França quase entraram em um conflito armado por causa de lagostas, mais especificamente sobre que teria o direito de caçá-las. Felizmente, ninguém se machucou durante a chamada “Guerra da Lagosta”, mas toda essa história causou tantas reações entre os governantes de ambos os países que quase resultou até na anexação da Guiana Francesa pelo governo brasileiro! Ficou curioso para saber como foi o desenrolar de tudo isso? Então vamos explorar essa história a fundo ao longo desse post!

O início da treta

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Toda essa confusão começou no início de 1961, quando alguns pescadores franceses, que anteriormente haviam pescado com sucesso na costa da Mauritânia, decidiram tentar a sorte do outro lado do oceano Atlântico. Depois de experimentar alguns locais, eles finalmente encontraram um excelente local na costa do Brasil, mais precisamente na costa do Estado de Pernambuco, onde as populações de lagostas prosperavam em profundidades de 75 a 200 metros. Obviamente, o aumento repentino de embarcações francesas na área não passou despercebido pelos pescadores brasileiros. De fato, eles passaram a reclamar junto ao governo local o fato de que vários barcos de pesca franceses estavam capturando ilegalmente lagostas na costa pernambucana.

As primeiras reações

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Pouco tempo depois, a Marinha do Brasil reagiu às queixas e o então almirante Arnoldo Toscano ordenou o envio de duas corvetas para verificar a situação. Chegando lá, eles descobriram que as alegações eram verdadeiras, o que logo fez com que o presidente da época, Jânio Quadros, exigisse que a frota de barcos pesqueiros franceses voltasse para as águas internacionais, longe da costa do Brasil. No entanto, os franceses não cooperaram, já que acreditavam que tinham todo o direito de capturar lagostas naquelas águas. Por isso, eles imediatamente enviaram uma mensagem ao governo francês, solicitando a sua própria frota de embarcações militares na área. Esse ato logo foi recebido como uma afronta pelo governo brasileiro, que por sua vez forçou a Marinha a mobilizar vários dos seus navios para que ficassem em estado de alerta na região.

Os ânimos se exaltam

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Embora todo conflito entre os dois países seja um assunto sério, devemos admitir que iniciar um conflito por causa de lagostas beira ao ridículo, não é mesmo? Só que essa história estava longe de ter um fim! No mesmo dia em que o Brasil mobilizou toda a frota, o ministro das Relações Exteriores da época, Hermes Lima, emitiu um comunicado dizendo que a atitude da França era inadmissível e que o governo brasileiro não iria recuar de jeito nenhum. Ao mesmo tempo, porém do outro lado do oceano, o então presidente francês, Charles de Gaulle, ficou furioso com toda a situação. Ele acreditava que o Brasil estava agindo de forma desrespeitosa com relação à França. Por isso, em 21 de fevereiro de 1961, De Gaulle decidiu despachar seu destróier Tartu, um navio de guerra de 2750 toneladas para manter a segurança dos barcos de pesca. No entanto, o Tartu nunca chegou a se encontrar com a frota de barcos de pesca da França, pois acabou sendo interceptado e repelido por um cruzador e um porta-aviões da Marinha do Brasil. Depois de receber a notificação da interceptação, o governo brasileiro deu às forças francesas 48 horas para se retirarem, um ultimato que eles recusaram, agravando ainda mais a situação.

A ousada tentativa de anexar a Guiana Francesa

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Como a “Guerra da Lagosta” acabou minando as relações diplomáticas entre ambos os países, o governo brasileiro viu ali uma oportunidade para tentar anexar a vizinha Guiana Francesa ao seu território. O principal motivo de todo o interesse do Brasil no pequeno território francês localizado à oeste do Amapá tinha a ver com a exploração clandestina de manganês na região. Segundo o governo brasileiro, o manganês extraído ilegalmente do território brasileiro eram supostamente enviado para a Guiana Francesa, de onde era posteriormente exportado para a Europa, o que causava um grande prejuízo para os cofres públicos do Brasil. Com isso em mente, Jânio Quadros até chegou a se reunir com o então governador do Amapá, Moura Cavalcanti, com o objetivo de traçar uma estratégia para a realização da anexação. No entanto, por conta do enfraquecimento do seu governo, Jânio acabou renunciando ao cargo de presidente, o que consequentemente encerrou de vez os planos de anexar a Guiana Francesa ao território brasileiro.

Novo presidente, velho conflito

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O mais curioso de tudo era o fato de que o Brasil realmente não estava para brincadeiras com a tal Guerra da Lagosta, já que mesmo com a renúncia de Jânio Quadros, o conflito não teve um fim na mesma época, continuando normalmente no governo de João Goulart. De fato, sob o governo de “Jango”, a Marinha Brasileira ainda conseguiu interceptar um outro navio francês (Cassiopée) que havia sido enviado para a costa brasileira com os mesmos objetivos que o Tartu. Embora nenhum tiro havia sido disparado até então, a situação estava tão tensa que deu origem a uma discussão tão esquisita quanto o motivo inicial da confusão. Os brasileiros passaram a negar qualquer acesso aos pescadores franceses dentro de 160 quilômetros da costa nordeste brasileira sob o principal argumento de que as lagostas “rastejavam ao longo da plataforma continental” e, portanto, pertenciam ao Brasil. Os franceses, por outro lado, afirmaram que as lagostas “nadavam” e que, portanto, deveriam pertencer a qualquer um que pudesse capturá-las no oceano.

Desfecho

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Depois de muitos impasses e contratempos, principalmente por conta do fato de que tanto a França quanto o Brasil passavam por momentos de turbulência política dentro dos seus próprios domínios, ambas as partes começaram a considerar em 1963 que um conflito por causa de lagostas não valia a instauração de uma guerra. Depois que ambos os lados decidiram que o melhor caminho era a diplomacia, a questão foi levada a um tribunal internacional, que ajudou a conciliar um acordo entre as partes. No final das contas, todo o incidente foi resolvido com a expansão das águas territoriais do Brasil para uma zona de 200 milhas, que na prática englobava a tal área “cheia de lagostas”. Em troca, o acordo permitiu que 26 navios pesqueiros franceses capturassem lagostas durante uma área especialmente demarcada dentro de um período de cinco anos. Os franceses aceitaram o acordo por questões econômicas, enquanto o Brasil resolveu aceitar porque já estava sob um regime militar, sendo que os novos governantes do país já não estavam mais tão interessados no assunto e queriam resolver a questão o mais rápido possível.

Considerações

Todo esse conflito pode soar bastante ridículo, mas no final ele acabou desempenhando um papel importante no estabelecimento da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, um tratado multilateral entre vários países que nasceu com o objetivo de definir zonas de exploração de recursos naturais no mar. Além disso, a Guerra da Lagosta ajudou a mostrar como grandes conflitos podem ser iniciados por motivos incrivelmente banais, que muitas vezes poderiam ser resolvidos de uma forma totalmente diplomática.

E você, já tinha ouvido falar na Guerra da Lagosta? Compartilhe o post e deixe o seu comentário!